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“Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação” é um daqueles livros de riqueza extraordinária. Ao abordar as configurações e reconfigurações do mais importante quilombo da história brasileira, Silvia Lara revisita a documentação com rigor, não se furta de fazer questões incômodas, questiona interpretações consolidadas, explora os nexos coloniais em toda sua complexidade, situa a política (de guerra e paz, mas sobretudo de guerra) portuguesa contra comunidades de fugitivos à luz da política indigenista, pensa Palmares e Cucaú à luz da cultura política centro-africana, traz elementos sobre o destino de palmaristas após 1694-1695, confere destaque ao parentesco e às linhagens, propõe o desafio de realmente refletir sobre o (frustrado) tratado de paz de 1678, redimensionando as ações (e motivações) de Gana Zumba. Em relação ao tratado, Lara analisa-o sem ceder a paixonites e simplificações políticas, tampouco a dualismos e oposições rígidas. À luz de eventos históricos anteriores, nas Américas e na África Central, tenta efetivamente compreender as causas e o contexto do tratado, bem como as implicações da recusa de lideranças como Zumbi em relação aos arranjos propostos. Nesse sentido, avança bastante em possíveis conexões com outros casos nas Américas, particularmente no que diz respeito aos tratados de paz, firmados em períodos posteriores, entre maroons (quilombolas) e poderes coloniais no Suriname e na Jamaica. O livro resulta de pesquisa de longa duração, cujos resultados iniciais foram expostos em um trabalho de titularidade, apresentado 12 anos antes na Unicamp. Nesses tempos de análises delivery e de “reflexões” supostamente críticas, expressas com limite de caracteres, de pronto surge uma lição: o tempo da pesquisa e da escrita não podem se conformar totalmente a imediatismos. Como bem coloca a autora, trata-se de um livro sobre o ofício de historiador(a). Lara revisita a documentação setecentista com minúcia. Efetivamente, apresenta muitas descobertas, resultantes não apenas de achados, mas também das perguntas feitas (e esse é um dos problemas de explicações prontas: muitas perguntas deixam de ser feitas). Lara analisa, pondera e critica as narrativas dominantes sobre Palmares, em geral escritas por homens, como Nina Rodrigues, Édison Carneiro e Décio Freitas. No livro, fica evidente que muitas interpretações – Flávio Gomes é uma das poucas exceções – baseiam-se mais em pressupostos e menos na documentação. Se, em muitos momentos, a autora dá verdadeiras chapuletadas (com luva de pelica) em historiadores, isso não se faz sem uma boa dose de generosidade: os méritos de análises precedentes, mesmo daquelas que remontam ao início do século XX, são reconhecidos e debatidos, de modo equilibrado e franco. Como deve ser. De quebra, o livro tem anexos preciosos. Em paralelo, a autora lançou um site, no qual há muito material sobre Palmares. O site pode ser acessado aqui. Imagino que o livro possa despertar debates e oxalá possa ser objeto mais de recensões qualificadas (veja-se, por exemplo, a resenha de John Thornton, publicada em Afro-Ásia) do que alvo de gritarias ecoadas por dogmatismos. Não sou historiador, tampouco especialista. De todo modo, foi uma leitura que trouxe aprendizados do início ao fim, despertou a curiosidade e serviu de inspiração: Barriga não acabou! Três trechos, dois dos quais sobre o que a autora chama, em debate com autores como Mintz e Price e John Thornton, de “sintaxe centro-africana”: “A sintaxe política centro-africana ecoa na história dos Palmares de vários modos. Diferentes entre si, por pertencerem provavelmente a vários estados ou ocuparam posições sociais diversas, os centro-africanos transportados da África para o Brasil – e para Pernambuco – compartilhavam uma mesma cultura política. Haviam sido escravizados segundo mecanismos variados, mas articulados, e foram obrigados a se transformar igualmente em escravos no Novo Mundo. A experiência política que havia confirmado suas vidas até então não ficou em terra, do outro lado do Atlântico. Ela orientou seus comportamentos e escolhas durante a vida como cativos e forjou o modo como reagiram à escravidão e se organizaram para viver e sobreviver fora dela. (p. 229)”
“Na maior parte das interpretações, o exame mais cuidadoso das fontes cede lugar a inferências que operam para confirmar um sentido geral atribuído à história dos Palmares. Em geral, a intepretação se impõe aos acontecimentos. O acordo de paz e Cucaú recebem atenção apenas para marcar certa inflexão na continuidade de uma história linear, cujo significado está dado de antemão e que, a partir de então, entraria no seu apogeu. De outro lado, a narrativa é presidida por um jogo de opostos que serve como explicação, sem que a natureza das relações entre os que foram para Cucaú ou se internaram nas matas, e entre eles e as autoridades coloniais, seja investigada. (p. 264)” “eram homens e mulheres inspirados por uma cultura política que fazia parte do mundo de onde eles, seus parentes e antepassados, tinham sido tirados à força. Majoritariamente centro-africanos, falantes do quimbundo, haviam aprendido a lidar com o domínio senhorial e colonial na outra margem do Atlântico e certamente usaram esse conhecimento para enfrentar a escravidão nas casas e nos engenhos pernambucanos. E também para fugir. A vida que construíram nos palmares de Pernambuco e o modo como lutaram negociaram para defendê-la foram desenhados por ideias e valores que haviam trazido consigo ou aprendido com seus pais” (p. 377)
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Moreau, Daniela & Parés, Luis Nicolau Imagens do Daomé: Edmond Fortier e o colonialismo francês na terra dos vodus (1908-1909). São Paulo: Martins Fontes, 2018. 263p. Edmond Fortier (1862-1928) nasceu na Alsácia e ainda jovem radicou-se na então colônia francesa do Senegal, mais especificamente em Dakar, onde trabalhava como fotógrafo, editor e pequeno comerciante. Viajando pela África do Oeste, captou com suas lentes um mundo de grande riqueza cultural, que passava então por importantes transformações. Deixou uma obra de mais de quatro mil imagens, a maioria delas publicada no formato de cartão-postal. Fortier por duas vezes visitou a possessão francesa do Daomé, o atual Benim. Na primeira viagem, em 1908, integrou a comitiva do Ministro das Colônias, e na segunda, em 1909, a do governador-geral. Os documentos visuais produzidos nessas oportunidades, cuidadosamente aqui reunidos pela primeira vez, totalizam 210 imagens. O olhar atento do fotógrafo gravou inúmeras vertentes da vida social, política e cultural na África ao tempo da dominação francesa. Imagens do Daomé: Edmond Fortier e o colonialismo francês na terra dos voduns, de Daniela Moreau e Luis Nicolau Parés, reúne registros das cerimônias oficiais, protagonizadas por mandatários locais e estrangeiros, das cidades e da população. De todo o conjunto, destaca-se a série dedicada aos rituais voduns, uma das primeiras documentações fotográficas dessas práticas. A palavra vodum, em seu contexto original, designava os deuses das sociedades daquela região, ou “os mistérios das forças invisíveis”. Os panteões sagrados – do mar, do céu, da terra e do trovão, entre outras divindades –, com suas hierarquias e personagens, coreografias e adereços característicos, estão aqui detalhadamente identificados e analisados pelos autores. Para o leitor brasileiro, o interesse dessas imagens é direto. Do Golfo do Benim e, a partir do século XVIII, do antigo reino do Daomé partiram para o Brasil milhares de escravizados, cuja devoção original aos voduns serviu de modelo ao nosso candomblé. Edmond Fortier produziu um material de indiscutível valor histórico e etnográfico. Complexas e diversas, as práticas políticas, religiosas e culturais aqui documentadas abrem novas linhas de investigação sobre o Benim de ontem e de hoje, bem como sobre seus prolongamentos no Brasil [adaptado do texto descritivo da editora]. Saiba mais sobre a obra aqui Durão, Susana & França, Isadora Lins (Org.). Pensar com método. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2018. 224p. Organizado por Susana Durão e Isadora Lins França, Pensar com método reúne ensaios metodológicos em diálogo com a antropologia, a ciência política, a demografia, a sociologia e a história. Sem se circunscrever a análises temáticas, os textos visam ajudar alunos, pesquisadores e professores a trabalhar com as complexidades dos mundos sociais contemporâneos * adaptado de descrição da editora Papéis Selvagens. Além de apresentação das autoras, o livro conta com as seguintes contribuições: “Decifrando o mundo social pelo caleidoscópio: os métodos quantativo, qualitativo e a perspectiva parcial” (Bárbara Castro). “Como escrever um artigo acadêmico” (Álvaro Bianchi e Daniela Mussi) “A interpretação na ciência política” (Frederico de Almeida) “Introdução aos fundamentos da análise demográfica e dinâmica populacional” (Joice Melo Vieira) “Aperte play para iniciar: desafios metodológicos de pesquisas nas mídias digitais” (Iara Beleli e Larissa Araújo) “O ensino da história na era digital: potencialidades e desafios” (Aldair Rodrigues) “Sobre a instrumentalização mútua: pesquisadores e financiadores” (Taniele Rui) “Intimidades na pesquisa etnográfica: a diferença da antropologia” (Susana Durão) Confira aqui Rattes, Kleyton Ateliê da Palavra Ayvu Rapyta. Antropologia, Metafísicas e Traduções Entre os Mbya (Guarani) e León Cadogan. Curitiba: Appris Editora, 2017. 397p. A obra Ateliê da Palavra Ayvu Rapyta lança um olhar sobre os mitos, cantos e relatos metafísicos presentes no clássico livro da etnologia americanista Ayvu Rapyta, de León Cadogan. A obra retoma os textos e as práticas guarani, inserindo-os nos contextos sociopolíticos e indigenistas de meados do século XX na América Latina. O cerne do livro é mostrar como a “metafísica da palavra mbya-guarani”, em processos de criação e tradução poéticos, imbrica-se na forma como León Cadogan concebe o ideal e a prática dos trabalhos antropológico e linguístico, a saber, o encontro tradutivo entre diferenças culturais cuja palavra final é partilhada e habita, em surpreendentes simetrizações das assimetrias impostas historicamente entre os saberes, no mínimo dois horizontes de modo concomitante: o “indígena” e o “branco”. O livro, prefaciado por Bartomeu Meliá, foi premiado no Paraguai. Saiba mais aqui Confira também a nota do Editorial acerca do primeiro livro de Rattes, sobre Guimarães Rosa e a antropologia. Facundo, Ángela Êxodos, refúgios e exílios. Colombianos no Sul e Sudeste do Brasil Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2017. 392p. Êxodos, refúgios e exílios. Colombianos no Sul e Sudeste do Brasil é resultado de uma pesquisa doutoral sobre a figura contemporânea do refúgio no Brasil, analisada por meio das experiências de alguns nacionais colombianos. O livro interroga as diferentes categorias de refúgio e seu processo de produção no contexto de algumas cidades de três estados brasileiros (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo), assim como o substrato moral das relações que são tecidas no mundo institucional do refúgio entre pessoas administradas e “agentes de Estado”. Nessas relações não apenas é produzido um sujeito refugiado, mas são criadas constantemente as fronteiras externas e internas do Estado-nação com suas consequentes produções de marcadores raciais, de gênero, de sexualidade, de idade, etc. A análise foca nas formas de governo e interpretação social dos sofrimentos que permitem separar administrativamente a experiência dos sujeitos refugiados daquela de outros sujeitos migrantes, assim como definir as formas e limites de seus movimentos. Ao mesmo tempo, examina a exigência que é feita aos sujeitos para oferecer narrações de si próprios, por meio de uma multiplicidade de formatos orais e escritos, como sendo uma estratégia de produção de uma “verdade” sobre as pessoas administradas, sobre a nação que as recebe e sobre os espaços sociais que deveriam ocupar nos processos de integração. Finalmente, o livro explora diferentes dimensões da categoria tempo para analisar tanto os ritmos cotidianos das relações administrativas, quanto os processos de longo prazo da pretendida integração de refugiados na sociedade nacional brasileira. Saiba mais detalhes aqui Olivar, José Miguel Nieto Devir puta. Políticas da prostituição nas experiências de quatro mulheres militantes. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2013. 358p. José Miguel Nieto Olivar renova o campo dos estudos sobre prostituição no Brasil ao seguir a trajetória de quatro lideranças da prostituição exercida por mulheres. Acompanhando, desde suas juventudes, as inserções dessas mulheres na prostituição de rua no centro de Porto Alegre, o autor, por meio de uma narrativa envolvente conduzida pelas vozes dessas quatro personagens, propicia, nas palavras de Adriana Piscitelli no prefácio da obra, “um trânsito intenso, mas cheio de poesia, por terrenos de sexo, amor, trabalho, violência e solidariedade”. Longe de isolar essa modalidade de prostituição, o autor, dialogando com as produções antropológica e literária, situa-a em um conjunto amplo de relações, tomando a prostituição como lugar de socialidades e de operações de relações de poder. A obra faz parte da Coleção “Gênero, Sexualidade e Sociedade”, da Editora da UERJ. Confira aqui. Apreciações do livro podem ser acessadas aqui e em resenha que pode ser acessada aqui. Raça, racismo e genética em debates científicos e controvérsias sociais Maria Gabriela Hita (Org.) Salvador: Edufba, 2017. 225p. Organizado por Maria Gabriela Hita, professora do departamento de sociologia da UFBA, “Raça, racismo e genética em debates científicos e controvérsias sociais”, consiste em análises de múltiplas formas de se definir analiticamente, e de tratar empiricamente, da categoria racial, atentando para as implicações disso em termos de mobilizações políticas e de políticas públicas. O livro constitui, então, uma gama de reflexões sobre a negritude e a condição étnica no Brasil e em outros países da América Latina. Além de prefácio, apresentação e introdução, escritos por Lilia Moritz Schwarcz e Paula Cristina da Silva Barreto e pela organizadora da obra, respectivamente, o livro conta com contribuições de Peter Wade, Antônio Sergio Alfredo Guimarães, Valter Roberto Silvério e David Lehmann. Acesse a obra no site da EDUFBA. O sonho, o transe e a loucura Roger Bastide São Paulo: Três Estrelas, 2016. 391p. Coletânea de ensaios escritos entre a década de 1930 e 1970 pelo renomado antropólogo francês, que lecionou na Universidade de São Paulo entre 1938 e 1954, “O sonho, o transe e a loucura” insere-se na seara das preocupações do autor com a dimensão social das doenças mentais e das relações entre processos psíquicos e sobrenaturais. Roger Bastide (1898-1974), mais conhecido por seus estudos acerca de religiões afro-brasileiras, promove um efetivo diálogo entre psicologia, psiquiatra e sociologia, rompendo com dualismos e cruzando fronteiras disciplinares. Como exposto por François Laplantine no prefácio à obra, a produção de Bastide escapa a rótulos, não podendo ser identificada com escolas. O livro, traduzido por Carlos Eugênio Marcondes de Moura, publicado originalmente em 1972 na França, é composto por 18 ensaios, dentre os quais “O castelo interno do homem negro”, “Sociologia do sonho”, “As doenças mentais dos negros na América do Sul” e “Encontros de civilizações e doenças mentais”. Saiba mais detalhes sobre a obra no site da Editora Três Estrelas. Consulte também crítica assinada por Reginaldo Prandi na Folha de São Paulo. Pensamento social no Brasil por Giralda Seyferth: notas de aula Bahia, Joana; Menasche, Renata; Zanini, Maria Catarina (orgs.) Porto Alegre: Letra Viva, 2015. 256p. O livro consiste na transcrição das aulas proferidas no curso Pensamento Social no Brasil, ministrado por Giralda Seyferth na Universidade Federal de Pelotas em 2012. Fonte inestimável de estudos, o livro está dividido em cinco capítulos, cada qual dedicado, respectivamente, aos seguintes pensadores: 1) Perdigão Malheiro e Joaquim Nabuco; 2) João Batista Lacerda, Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha; 3) Oliveira Vianna, Manuel Bonfim e Edgar Roquete-Pinto; 4) Gilberto Freyre; 5) Fernando de Azevedo, Emílio Willems, Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Roger Bastide e Thales de Azevedo. A obra conta ainda com um breve capítulo, assinado por Joana Bahia, acerca da obra, dos temas de interesse e da trajetória de G. Seyferth. Acesse seu conteúdo integral aqui. Matar o morto - uma etnografia do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro Medeiros, Flavia Niterói: Eduff, 2016. 221p. A rotina e os meios de funcionamento do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto (IMLAP), no Rio de Janeiro, são fruto de atenção de estudo etnográfico minucioso de Flavia Medeiros. Baseado em trabalho de campo realizado no IMLAP, a autora retrata os meandros do funcionamento do Instituto. Por meio da descrição da rotina e dos modos de tratar os falecidos o livro visa compreender como se realiza o processo de "matar o morto", ou seja, como se desenvolve um conjunto de procedimentos que visa identificar o corpo e a causa de sua morte. 'Não reclamado', 'não identificado', 'baleado', 'presunto', 'putrefato', 'carbonizado', 'suicida', 'morte indeterminada'. A diversidade de situações encontrada pela autora revela que os mortos não são todos iguais e que os corpos falam sobre as condições das mortes e das vidas. Medeiros articula a capacidade de estranhar com a possibilidade de ser afetado pelo campo. Os meandros da realização da pesquisa em um local pouco usual são explicitados, bem como as maneiras pelas quais os funcionários do IMLAP, mesmo tão acostumados a lidar com cadáveres, são também afetados pelos mortos, por suas histórias e relações sociais. Os processos institucionais de identificação de cadáveres analisados pela autora permitem pensar o papel social dos mortos, que não se restringe a indicar a transitoriedade da vida. Os ritos e os cuidados analisados por Flavia Medeiros demonstram que a posição social do falecido explica que há vida após a morte - uma vida que não tem a ver com crenças na ressurreição ou reencarnação, mas sim com a recomposição de tramas sociais nas quais todos estão envolvidos. Leia a apresentação, o prefácio e o prólogo da obra aqui. Nas tramas do crack: etnografia da abjeção Rui, Taniele São Paulo: Terceiro Nome, 2014. 400p. Fruto de tese em antropologia, agraciada com o Prêmio Capes, defendida na Universidade Estadual de Campinas em 2012, Nas tramas do crack, de Taniele Rui, é baseado em trabalho de campo realizado em Campinas e em São Paulo com usuários de crack. A autora atenta para a diversidade de experiências de usuários e para permeabilidade de fronteiras corporais e suas conexões com processos sociais e simbólicos. Os poderes do crack e seus efeitos invertem radicalmente concepções de autonomia individual, escapando às nossas noções de higiene, cuidado corporal e de sujeira. Corpos abjetos, epítomes de uma alteridade radical, perturbam ficções de identidade, sistema e ordem. Afastando-se da chave de leitura calcada na denúncia/desconstrução, Taniele Rui problematiza os nexos entre representações, reações e investimentos sobre usuários de crack e os aparatos repressivo, assistencial, midiático, sanitário e médico dirigidos a esses sujeitos. Diferentemente de outras obras, cuja atenção é voltada prioritariamente para a observação do consumo recreativo de drogas sob o prisma da sociabilidade e do estilo de vida de camadas médias urbanas, o livro preenche um vazio bibliográfico sobre o consumo abusivo de crack a partir da observação em locais de uso e venda dessa substância. Os corpos de usuários de crack são produtores de territorialidades, de gestões do corpo e de alteridades, constituindo-se por meio de relações com a droga, com seus espaços de uso e com as redes de solidariedade e de prestação mútua. Resenhas da obra foram publicadas em Cadernos CRH, Cadernos de Campo e Revista de Antropologia. Nessa entrevista, a autora fala sobre sua tese, que deu origem à obra. Adquira a obra, que faz parte da Coleção Antropologia Hoje, no site da Editora Terceiro Nome O povo parente dos Buracos. Mexida de prosa e mexida de cozinha Carneiro, Ana Rio de Janeiro: E-Papers, 2015. 410p. O livro, que resulta da tese de doutorado defendida em 2010 no Museu Nacional/UFRJ, é uma etnografia baseada em longa pesquisa de campo no município de Chapada Gaúcha/MG, sede do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Apesar da referência à obra-prima de Guimarães Rosa, Chapada Gaúcha deve seu nome à ocupação econômica e política da região por sulistas subsidiados pelo governo militar a partir da década de 1970. O povo dos Buracos já habitava a região antes da chegada dos gaúchos e hoje se encontra espalhado por cerca de quarenta casas, ligadas majoritariamente por laços de descendência e afinidade. Mas a “terra” dos Buracos - isto é, os contornos do espaço no qual se ordenam seus modos de viver e se relacionar - não se encerra neste território físico. Os dos Buracos movem-se, constantemente e desde sempre, conforme a circulação de suas palavras e pessoas. Como descrever este povo movente lançando mão do que seriam seus próprios procedimentos descritivos? Partindo desta pergunta, a autora, co-organizadora de Giros Etnográficos em Minas Gerais e co-autora de Retrato da Repressão Política no Campo, movimenta-se entre a escrita disciplinar antropológica e as práticas de prosa que foram, a um só tempo, “objeto” de análise e “método” através do qual os dados foram coletados. De fato, como atesta Marcio Goldman no prefácio da obra, o povo do Buraco fala de povo, de história, de sorte, de sangue, de família e de muitas outras coisas das quais a antropologia também fala. A autora demonstra como o povo dos Buracos fala da comida para falar sobre o não-dito, criando um jogo de sugestões, brincadeiras, rumores e humores que são suas próprias relações entre pessoas, casas, linhas de descendência e regiões. Assim, o “sistema” de circulação de prosa e comida diz respeito às formas particulares assumidas por “pessoas” e “povos”. A chamada “mexida de cozinha” ganha lugar central na análise, pois é instância fundamental por meio do qual as buraqueiras conceituam operadores distintivos. A última parte do livro debruça-se sobre as práticas femininas de conhecimento. Para a autora, é possível traçar uma linha de continuidade entre a movimentação de uma dada cozinha, ou seja, o sistema agenciado em torno de uma mulher em particular, e o que os buraqueiros chamam de “sistema do povo”, algo próximo do que cientistas sociais chamariam de sistema social. As mulheres, relativamente fixas em suas cozinhas, promovem as intensidades que são regentes da circulação de prosa e comida. Por conseguinte, como descreve a autora, a forma do “povo” atrela-se a uma “mexida”que a um só tempo cria o “sistema” e o submete ao eterno risco de desequilíbrio. Saiba mais detalhes sobre a obra aqui Oração de traficante. Uma etnografia Vital, Christina Rio de Janeiro: Garamond, 2015. 432p. Fruto de longa pesquisa etnográfica realizada em Acari e no Morro de Santa Marta, favelas localizadas na cidade do Rio de Janeiro, "Oração de Traficante", de Christina Vital, trata das mudanças relativas às formas através das quais as religiões emergem em diferentes contextos nas cidades, atentando para o esgarçamento das fronteiras entre religião e crime, religião e violência, religioso e secular. Ao enfrentar essas e outras questões, Vital explora aspectos multifacetados das relações entre religião e política, tal como concebida, particularmente, por neopentecostais. Além de apresentar extensamente o universo estudado, o livro, decorrente de tese de doutorado em ciências sociais defendida pela autora em 2009, examina as redes e instituições formadas a partir das igrejas nas favelas, a expressão de uma fé evangélica pentecostal entre traficantes, as transformações das experiências com o sagrado e as mudanças nas formas de pertencimento religioso. Acesse um trecho do livro aqui e resenha sobre a obra, publicada em Horizontes Antropológicos. Confira também reportagem sobre o livro e entrevista com a autora neste link. A escrita da cultura James Clifford e George Marcus (ed.) Rio de Janeiro: Papéis Selvagens Edições/Eduerj, 2016, 388p. A tradução da seminal obra organizada por James Clifford e George Marcus em 1986 finalmente é traduzida para o português em cuidadosa edição da Papéis Selvagens e da Editora da UERJ. O livro, que surgiu em meio a um campo crescente de etnografias experimentais, de reflexões em torno das relações entre antropologia e colonialismo e de críticas aos predicados epistemológicos e políticos implícitos nas tentativas de representar o outro, impulsionou debates sobre temas relativos à reflexividade, à epistemologia, à cultura, à etnografia, à historicidade do conhecimento antropológico e, em especial, sobre as dimensões políticas e a poéticas da etnografia. A evocação da escrita da cultura e da cultura da escrita, tal como expressa no título, aponta para outra dimensão fundamental desse empreendimento associado ao pós-modernismo em antropologia, na qual se acentuam os recursos discursivos, literários e retóricos subjacentes (mas não necessariamente explicitados) à construção do objeto antropológico. Questionam-se, assim, a aceitação tácita das fronteiras entre a escrita etnográfica e formas narrativas análogas, bem como o privilégio político e epistemológico do ponto de vista do observador. Writing Culture despertou reações diversas, muitas vezes antagônicas. Seja como for, tornou-se ponto de referência obrigatório, um marco de uma época de questionamento radical dos cânones antropológicos. A edição da Papéis Selvagens e da Editora da UERJ, portanto, não só recupera um momento fundamental da história da antropologia como repercute a atualidade de diversas questões enfrentadas pela obra. O livro, que conta com prefácio assinado por Maria Claudia Coelho, tradutora da obra, faz parte da Coleção Kalela. O pensamento africano no século XX José Rivair Macedo (Org.). São Paulo: Outras expressões, 2016, 368p. O Pensamento Africano no século XX reúne textos escritos por especialistas acerca de filósofos, cientistas sociais, escritores e historiadores que desenvolveram leituras sobre problemas comuns à África. Em entrevista concedida à Revista Cult, José Rivair Macedo, organizador da obra, professor do departamento de história e Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFRGS, definiu o objetivo do livro como "modesto", visando "apresentar as principais linhas de rumo da obra" de intelectuais "cujos textos são essenciais para a compreensão do colonialismo, anti-colonialismo e pós-colonialismo na África" (acesse a entrevista completa aqui). Dividido em três partes - Descolonização, Revolução Africana e Pós-Colonialismo - a obra conta com doze capítulos, além de introdução, acerca de Léopold Sédar Senghor, Marcien Towa, Cheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo, Frantz Fanon, Amílcar Cabral, Wole Soyinka, Severino Ngoenha, Kwame Nkrumah, Marcien Towa, Cheikh Anta Diop, Paulin Hountondji, V. Y. Mudimbe e Achille Mbembe. Confira a entrevista concedida pelo organizador da obra ao Brasil de Fato. E saiba mais sobre essa obra indispensável aqui. Veja abaixo os títulos, e os respectivos autores, de cada capítulo, clicando em leia mais (botão à direita). |
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